Lidere as pessoas, não os números

Lidere as pessoas, não os números

O legado de um líder é tão forte quanto as bases assentadas por ele, permitindo que outros continuem a aperfeiçoar a organização em seu nome. Legado não é a recordação dos bons tempos quando o velho líder estava lá. Isso não é legado, é nostalgia.


Jim Collins e Jerry Porras expõe isso em seu livro Feitas para durar (Ed. Rocco), afirmando que quando o gênio que estava lá no alto sai, leva consigo sua experiência e sua genialidade. Em contraste, quando um líder tem a humildade de distribuir o poder pela organização, a força da companhia se torna menos dependente de uma única pessoa e consegue sobreviver mais facilmente. Nesse modelo, em vez de tentar comandar e controlar tudo, os líderes dedicam toda a sua energia ao treinamento, formação e proteção de seu pessoal – a gerenciar o Círculo de Segurança – para que as pessoas possam comandar e controlar qualquer situação por si mesmas. Essa é a melhor maneira de proteger o legado do líder e estender o sucesso da companhia por muitos anos após a sua saída.


Segundo um estudo feito pela Dra. Natalia Lorinkova, pesquisadora da área de gestão e liderança na Wayne State University, “No começo, equipes conduzidas por um líder diretivo superam aquelas conduzidas por um líder que distribui o poder. Todavia, apesar do desempenho inicial menor, as equipes conduzidas por um líder que distribui o poder têm um desempenho que melhora com o tempo graças a níveis mais elevados de aprendizado, coordenação, capacitação e desenvolvimento do modelo mental”.


Em outras palavras, todos os benefícios das equipes de melhor desempenho são resultado direto da sensação de segurança junto a seus pares e de acreditarem que seus líderes se preocupam com seu bem-estar. Qualquer outro modelo é simplesmente uma aposta na possibilidade de o próximo gênio ser tão bom quanto aquele que saiu, sem levar em conta a força do resto da companhia.


Essa aposta na teoria do próximo gênio acrescenta uma importância desequilibrada e um risco desconfortavelmente elevado ao planejamento sucessório. Se o novo líder não conseguir comandar e controlar com a mesma eficiência de seu antecessor, é duvidoso que os membros da organização se arrisquem a participar da visão do líder; estarão ocupados tentando se proteger uns dos outros.


Em algumas companhias, as demissões continuam a ser um fato tão corriqueiro no quarto trimestre ou no primeiro, quando a companhia está tentando atingir suas metas, que alguns funcionários tomam medidas extremas para se proteger.


Parece razoável esperar que os líderes das empresas se esforcem para proteger os interesses dos proprietários. Todavia, também é possível argumentar que, na verdade, os acionistas não possuem essas companhias. Na visão da professora Lynn Stout, Friedman, o herói da moderna economia capitalista, estava simplesmente errado. Não existe embasamento jurídico para a ideia de que os acionistas seriam os verdadeiros donos das corporações. Eles simplesmente possuem ações, que são representações abstratas. No jargão jurídico, as corporações “possuem-se” a si próprias. E, tendo em vista que os acionistas não são os verdadeiros donos das corporações, estas não têm a exigência legal de maximizar o preço das ações, como muitos alegam.


Stout leva esse raciocínio mais além, dizendo que a maximização do valor para o acionista fracassou. É fato que engordou os bolsos da elite corporativa, mas, em praticamente todos os outros sentidos, foi ruim para os negócios e para as próprias companhias. Os funcionários são forçados a trabalhar em uma atmosfera na qual o desempenho em curto prazo é valorizado acima de tudo, e o bem-estar das pessoas é quase sempre relegado ao segundo plano. As consequências disso são empiricamente ruins para a companhia. E, ao contrário do que se alega, a maximização do valor para o acionista fez pouco ou nada para os acionistas minoritários.


A ascensão da primazia do acionista e o excesso de dependência de incentivos externos à base de dopamina para alimentar essa primazia fizeram com que os executivos se habituassem a pensar no curto prazo, uma tendência que não nos surpreende se levarmos em conta que a permanência média no cargo de CEO corporativo é de cinco anos.


A perversa interpretação da regra do “acionista primeiro” criou culturas nas quais quase ninguém que trabalhe em companhias de capital aberto, grandes ou pequenas, sente-se protegido por seus líderes. Um número muito grande de CEOs parece não se dar ao trabalho de liderar seus colaboradores. De olho nos resultados de curto prazo, os executivos não conseguem inspirar de fato seus subordinados. As prioridades de Wall Street exercem um poder irracional sobre os executivos, e, por extensão, sobre a cultura da companhia toda. As pessoas que trabalham nessas companhias receiam perder o emprego caso o preço da ação caia. E, para o cérebro humano primitivo, essa sensação desperta o instinto de sobrevivência. Quando o jogo consiste em correr ou lutar e não existe um amplo Círculo de Segurança, a melhor estratégia é matar ou ser despedido. Quando nos sentimos inseguros diante das incertezas, fica quase impossível estabelecer relacionamentos e confiar nos outros. E quando isso acontece, nosso trabalho sofre, a cultura sofre e a organização toda sofre…


O desempenho de uma companhia está intimamente ligado à personalidade e aos valores de quem está no alto. E a personalidade e os valores da pessoa no alto determinam o tom da cultura.


Cofundador da Costco, Sinegal esteve à frente da companhia entre 1983 e sua aposentadoria em janeiro de 2012. Ele acreditava em uma cultura equilibrada, uma cultura na qual a prioridade era a atenção para com o pessoal. Sinegal sabia que se a companhia tratasse seus empregados como membros da família, eles retribuiriam com confiança e lealdade. Ele rejeitava a ideia popular de que para ter sucesso no varejo, especialmente no setor de armazenagem, as companhias precisam manter salários baixos e reduzir ao máximo os benefícios dos colaboradores.


Sua atitude de priorizar as pessoas foi a base de uma cultura que permite que as substâncias químicas sociais atuem da maneira como deveriam atuar. E isso, por sua vez, faz com que a confiança e a cooperação se desenvolvam. Os funcionários são elogiados quando encontram soluções e formas melhores de fazer as coisas. Cuidam uns dos outros, em vez de competir entre si.


Os clientes nunca vão amar uma empresa se antes os funcionários não a amarem. Só quando uma massa crítica de colaboradores sente que seus líderes estão trabalhando para ajudá-los a se defender de perigos externos é que a empresa pode chamar os clientes para dentro do círculo. Geralmente, as pessoas nos extremos, a infantaria, por assim dizer, são as mais vulneráveis aos perigos externos. São também aquelas que normalmente mantêm mais contatos com clientes e consumidores. Caso se sintam protegidos, vão fazer o que puderem para atendê-los bem sem medo de repercussões por parte dos líderes da companhia.


É fato que o lucro é a meta de qualquer negócio, mas sugerir que é a principal responsabilidade de um negócio é um equívoco. Os líderes das companhias que veem o lucro como combustível para suas culturas é que vão sobreviver a seus concorrentes viciados em dopamina e encharcados de cortisol.

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